segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A Parábola do Rio
Romanos 1.21-32

Havia outrora cinco irmãos, que moravam com o pai num
castelo, no alto de uma montanha. O mais velho era um filho
obediente. Seus quatro irmãos, todavia, eram rebeldes. O pai
tinha-lhes grande cuidado por causa do rio; já lhes havia
implorado que ficassem distante da margem, para que não fossem
varridos pelo refluxo da maré. Mas eles não ligavam; a atração do
rio era-lhes demasiadamente forte.
A cada dia, os quatro irmãos rebeldes arriscavam-se cada vez
mais perto do rio, até que, uma vez, um deles atreveu-se a tocar a
água.
— Segurem a minha mão — gritou ele. — Assim não cairei.
E seus irmãos o fizeram. Quando ele porém tocou a água, o
repuxo arrastou-o com os outros três para dentro da correnteza,
rolando-os rio abaixo.
Foram despencando de rocha em rocha, girando no leito do
rio. Arrastados pelas vagas, eles se foram. Seus gritos de socorro
perderam-se na fúria do rio. Embora se debatessem tentando
recuperar a estabilidade, foram impotentes contra a força da
correnteza. Depois de horas de esforço, renderam-se ao puxão do
rio. As águas finalmente lançaram-nos à margem, numa terra
estranha, num distante país. O lugar era estéril.
Um povo selvagem habitava aquela terra. Não era segura
como o lar que eles tinham.
Ventos frios gelavam a terra. Não era quente como o lar que
possuíam.
Montanhas inóspitas assinalavam a terra. Não era
convidativa como o lar que conheciam.
Embora não soubessem onde estavam, de uma coisa tinham
certeza: não haviam sido feitos para aquele lugar. Por um longo
tempo, os quatro jovens irmãos ficaram deitados na margem,
atordoados com a queda, e sem saber para onde se voltarem. Após
algum tempo, reuniram coragem e tornaram a entrar na água,
esperando andar rio acima. Mas a correnteza era demasiadamente
forte. Tentaram caminhar ao longo da margem, porém o terreno
era íngreme demais. Consideraram a possibilidade de subir as
montanhas, contudo, o cimo era muito alto. Além de tudo, não
conheciam o caminho.
Finalmente, fizeram um fogo, e sentaram-se à volta.
— Não deveríamos ter desobedecido nosso pai — admitiram
eles. — Estamos a grande distância de casa.
Com o passar do tempo, os filhos aprenderam a sobreviver na
terra estranha. Encontraram nozes para alimento, e mataram
animais para ter as peles. Eles tinham determinado não esquecer a
terra natal, nem abandonar as esperanças de retornar. A cada dia,
os quatro aplicavam-se à tarefa de achar alimento e construir
abrigo. A cada noite, acendiam o fogo e contavam histórias de seu
pai e do irmão mais velho, ansiando por vê-los novamente.
Então, numa noite, um dos irmãos ausentou-se da fogueira.
Os outros o encontraram, na manhã seguinte, no vale com os
selvagens. Ele havia construído uma choupana de barro e palha.
— Tenho me cansado de nossas conversas — confessou
ele. — De que adianta recordar? Além de que, esta terra não é tão
ruim. Vou construir uma grande casa e estabelecer-me aqui.
— Mas aqui não é nosso lar. — Objetaram os outros.
— Não. Mas será, se vocês não pensarem no verdadeiro
— Mas, e nosso pai?
— O que tem ele? Ele não está aqui. Não está por perto. Devo
viver para sempre na expectativa de sua chegada? Estou fazendo
novos amigos; estou aprendendo novos caminhos. Se ele vier,
muito que bem, mas eu não vou parar minha vida.
E assim, os outros três deixaram o construtor de cabanas, e
se foram. Eles continuaram a se encontrar em volta do fogo,
falando do lar e sonhando com o retorno.
Alguns dias depois, o segundo irmão faltou ao encontro da
fogueira. Na manhã seguinte, os outros dois o acharam no alto de
uma ladeira, fitando a cabana de seu irmão.
— Que desgosto — desabafou ele, quando os dois se
aproximaram. — Nosso irmão é um fracasso total. Um insulto ao
nome de nossa família. Podem imaginar um ato mais desprezível?
Construindo uma cabana, e esquecendo nosso pai?!
— O que ele está fazendo é errado — concordou o mais
jovem. — Mas o que fizemos é igualmente mau. Nós
desobedecemos. Tocamos o rio. Ignoramos as advertências de
nosso pai.
— Bem, podemos ter cometido um ou dois enganos, mas
comparados àquele coitado da choupana, nós somos santos. Papai
vai perdoar nosso pecado, e castigar a ele.
— Venha — instaram os dois irmãos. — Volte ao fogo conosco.
— Não. Acho que devo manter o olho em nosso irmão. Alguém
precisa conservar uma recordação de seus erros para mostrar a
papai.
Assim, os dois retornaram, deixando um irmão construindo e
o outro julgando.
Os dois filhos remanescentes ficaram perto do fogo,
encorajando-se mutuamente e falando do lar. Então, ao acordar
numa manhã, o mais novo achou-se sozinho. Procurou pelo irmão,
e encontrou-o perto do rio, amontoando pedras.
— As coisas não são assim — explicou o amontoador de
pedras, enquanto trabalhava. — Meu pai não vem a mim. Eu devo
ir a ele. Eu o ofendi. Insultei-o. Falhei com ele. Há apenas uma
opção: construirei um caminho de pedras sobre o rio, e irei até a
presença de nosso pai. Pedra sobre pedra, eu as amontoarei até
que sejam suficientes para eu viajar rio acima, em direção ao
castelo. Ao ver quão duro eu tenho trabalhado, e quão diligente
tenho sido, nosso pai não terá escolha: aluirá a porta, e me deixará
entrar em sua casa.
O último irmão não soube o que dizer. Voltou a sentar-se
sozinho junto ao fogo. Certa manhã, ouviu atrás de si uma voz
familiar.
— Papai mandou-me buscar vocês, e levá-los para o lar.
Levantando os olhos, ele viu a face de seu irmão mais velho.
— Você veio buscar-nos! — Gritou ele. E ambos ficaram
abraçados por um longo tempo.
— E os outros? — Perguntou finalmente o mais velho.
— Um fez uma casa aqui. O outro o está olhando. E o terceiro
está construindo um caminho sobre o rio.
E assim, o primogênito pôs-se a procurar os irmãos. Foi
primeiro à choupana de palha, no vale.
— Fora, estranho! — enxotou o seu irmão, pela janela. —
Você não é bem-vindo aqui!
— Eu vim para levá-lo ao lar.
— Mentira! Você veio pegar minha mansão!
— Isto não é uma mansão — ponderou o primogênito — É
uma choupana.
— É uma mansão! A mais bela da planície. Eu a construí com
minhas próprias mãos. Agora, vá embora. Você não pode ficar com
minha mansão.
— Você não se lembra da casa de seu pai?
— Não tenho pai.
— Você nasceu num castelo, numa terra distante, onde o ar é
cálido, e os frutos, abundantes. Você desobedeceu a seu pai, e
acabou nesta terra estranha. Eu vim a fim de levá-lo para casa.
O irmão perscrutou a face do primogênito através da janela,
como se estivesse vendo um rosto já visto num sonho. Mas a
pausa foi curta, pois, de repente, os selvagens atopetaram a janela
também.
— Vá embora, intruso! — exigiram eles. — Esta casa não é
sua.
— Vocês estão certos — respondeu o primogênito. — Mas
vocês não são nada dele.
Os olhos dos dois irmãos encontraram-se novamente. Mais
uma vez o construtor sentiu um aperto no coração, mas os
selvagens haviam conquistado sua confiança.
— Ele quer apenas a sua mansão — gritaram eles. — Mandeo
embora! E ele o mandou.
O primogênito foi procurar o segundo irmão. Não teve de ir
muito longe. Sobre a ladeira, próximo à cabana, ao alcance da
vista dois selvagens, estava o irmão acusador. Ao ver o primogênito
aproximando-se, ele alegrou-se:
— Que bom que você está aqui para ver o pecado de nosso
irmão! Você está sabendo que ele voltou as costas ao castelo? Está
sabendo que ele nunca mais falou de casa? Eu sabia que você viria,
e tenho anotado cuidadosamente as ações dele. Castigue-o! Eu
aplaudirei a sua ira. Ele a merece! Trate dos pecados de nosso
irmão.
O primogênito falou suavemente:
— Precisamos cuidar de seus pecados primeiro.
— Meus pecados?
— Sim, você desobedeceu o papai.
O irmão deu uma risada sarcástica, e esmurrou o ar.
— Meus pecados não são nada. Lá está o pecador — acusou
ele, apontando para a cabana. Deixe-me contar-lhe dos selvagens
que ficam lá...
— Prefiro que me fale de si mesmo.
— Não se preocupe comigo. Deixe-me mostrar a você quem é
que precisa de ajuda — insistiu ele, correndo em direção à
choupana. — Venha, nós espiaremos pela janela. Ele nunca me vê.
Vamos juntos. — E ele chegou à cabana, antes de perceber que
seu irmão mais velho não o seguira.
Depois disso, o primogênito encaminhou-se para o rio. Lá,
achou o terceiro irmão, afundado na água até os joelhos,
amontoando pedras.
— Papai mandou-me levar você para casa. O outro nem
levantou os olhos.
— Não posso conversar agora. Devo trabalhar.
— Papai sabe que você caiu. Contudo, ele o perdoará.
— Ele pode — interrompeu o irmão, esforçando-se por manter
o equilíbrio contra a correnteza. Mas antes tenho de chegar ao
castelo. Devo construir um atalho sobre o rio. Primeiro lhe
mostrarei que sou digno. Então, pedirei sua misericórdia.
— Ele já teve misericórdia de você. Eu o transportarei rio
acima. Você jamais será capaz de construir um atalho. O rio é tão
comprido! A tarefa é grande demais para você. Papai mandou-me
carregá-lo para casa. Eu sou forte.
Pela primeira vez, o amontoador de pedras olhou para cima.
— Como você ousa falar com tanta irreverência? Meu pai não
irá me perdoar facilmente. Eu pequei. Cometi um grande pecado!
Ele nos disse para evitarmos o rio, e nós desobedecemos. Sou um
grande pecador. Preciso trabalhar muito.
— Não, meu irmão, você não precisa de muito trabalho. Você
precisa de muita graça. Você não possui força nem pedras
suficientes para construir a estrada. Foi por isso que nosso pai me
enviou. Ele quer que eu o leve para casa.
— Está dizendo que não consigo? Está querendo dizer que
não sou suficientemente forte? Veja meu trabalho. Veja minhas
rochas. Eu já posso dar cinco passos!
— Porém ainda faltam cinco milhões à frente!
O irmão mais novo fitou o primogênito com raiva.
— Eu sei quem é você. Você é a voz do mal. Está tentando
seduzir-me e afastar-me de meu santo trabalho. Para trás de mim,
serpente! — E ele jogou no primogênito a pedra que ia pôr no rio.
— Herético! - gritou o construtor de estrada. - Deixe esta
terra. Você não pode me fazer parar! Construirei esta passagem, e
apresentar-me-ei ante meu pai. Então ele terá de perdoar-me. Eu
conquistarei o seu favor. Serei merecedor da sua compaixão.
O primogênito balançou a cabeça.
— Favor conquistado não é favor. Compaixão merecida não é
compaixão. Eu lhe imploro, deixe-me transportá-lo rio acima.
A resposta foi outra pedrada. Então o primogênito virou-se e
saiu. O irmão mais jovem estava esperando junto ao fogo, quando
o primogênito retornou.
— Os outros não vêm?
— Não. Um preferiu indultar-se; o outro, julgar; e o terceiro,
trabalhar. Nenhum deles escolheu nosso pai.
— Então eles permanecerão aqui?
O primogênito balançou a cabeça devagar.
— Por enquanto.
— E nós voltaremos ao pai? — indagou o mais novo.
— Sim.
— Ele me perdoará?
— Teria ele me enviado, se não fosse assim?
E então, o mais jovem subiu nas costas do primogênito, e
iniciaram a jornada para o lar.

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